Leonardo de Morais: O consumidor tem de ser um agente regulador do mercado
Homem forte da agência de telecomunicações defende a redução dos entraves burocráticos e a autorregulação do setor, mas é taxativo: melhorar a qualidade do serviço implica empoderar o cliente

Em novembro de 2018, no apagar das luzes do governo Michel Temer, Leonardo Euler de Morais foi nomeado presidente da Agência Brasileira de Telecomunicações (Anatel) para um mandato de três anos. Servidor de carreira, Morais já ocupava uma cadeira no conselho diretor da empresa. Foi ele quem relatou o caso da Oi, que entrou em recuperação judicial e estava ameaçada de perder sua concessão. O processo é considerado um dos mais complexos a passar pela agência — e Morais foi elogiado por buscar uma solução de mercado, em vez de simplesmente punir a operadora. Entre suas críticas à agência está o estilo “comando e controle”, adotado no passado, e que impôs multas milionárias às empresas mas não foi capaz de melhorar o serviço e nem a relação com o consumidor. Nesta entrevista à DINHEIRO, Morais diz o que pretende colocar em prática nos próximos anos.
MORAIS – O que eu acho é que a regulação responsiva ou autorregulação é mais interessante. Mas, para isso, as empresas precisam dar o primeiro passo. Tome como exemplo o atendimento ao consumidor. Esse é um grande desafio pro setor avançar. Hoje existe um fardo muito grande para o consumidor cancelar um serviço ou entender uma cobrança. Nenhum município do Brasil conta com uma tecnologia inferior à terceira geração. Na medida que isso existe, é possível que as próprias operadoras tenham um aplicativo que o usuário acesse sem consumir o plano de dados e possa mudar seu plano ou cancelar. Mas para isso é preciso que as operadoras se comuniquem melhor com o consumidor e tenham maior transparência na oferta. Isso empodera o consumidor e ele passa a ser também um agente regulador do mercado. As empresas se diferenciaram muito por preço nos últimos anos e agora o mercado precisa se diferenciar por qualidade.
DINHEIRO – Recentemente, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações, o Sindisat, disse que a ausência de limite de dados na internet fixa é semelhante a uma pesca predatória. Isso não é permitido pelo marco civil da Internet, mas as operadoras estão lutando para mudar. Como a Anatel vê esse movimento?
MORAIS – Hoje existe uma decisão que impede a aplicação de franquia para a banda larga fixa e não está no horizonte a alteração disso. Entendo que uma parcela pequena dos consumidores utiliza grande parte da banda disponibilizada. Mas não é o momento para esse debate. E cabe às prestadores dar maior transparência à oferta. O consumidor não têm condições nem de compreender qual é o seu perfil de consumo. Não adianta rediscutir formas de comercialização sem diminuir o fardo cognitivo imposto ao consumidor. As operadoras precisam primeiro melhorar a transparência na oferta. Não há o necessário empoderamento do consumidor para que haja essa flexibilidade na oferta da banda larga fixa.
DINHEIRO – Qual sua opinião sobre o Marco Civil da Internet, que é muito criticado e debatido. Ela ainda precisa de complementação?
MORAIS – O Marco Civil da Internet é uma legislação extremamente importante para afirmar o princípio da neutralidade de rede . Isso precisava ser consagrado. Outras questões talvez necessitem de uma maior reflexão do legislador democrático. A lei de proteção de dados, recentemente aprovada, decorre dessa maior reflexão.
DINHEIRO – Os consumidores reclamam que a Anatel pega muito leve com as empresas. É verdade? A Anatel vai ser mais rigorosa?
MORAIS – Essa compreensão decorre de uma tradicional atividade sancionatória da agência que não trouxe os efeitos que dela se esperava. A Anatel fez uma regulação do tipo “comando e controle”.
DINHEIRO – Pode dar um exemplo?
MORAIS – Diversos processos de qualidade, atendimento ao consumidor etc, que foram objeto de multas milionárias. Às vezes, bilionárias. Basta ver o processo de recuperação judicial da Oi em que a Anatel é um dos principais credores. Mas essa atividade sancionatória não resultou em melhora na qualidade do serviço ou no atendimento ao consumidor. O que aconteceu é que as empresas judicializaram as multas. O que nós precisamos pensar agora é numa forma diferente de regular. Uma delas é o Termo de Ajustamento de Conduta, o TAC, que é importante porque permite a coexistência do interesse público e privado. Em vez de sancionar a empresa, eu posso estabelecer um termo de conduta, no qual ela se compromete a cessar a infração que é o objeto do TAC, mas também faz um compromisso de investimento adicional, que reverterá em favor dos consumidores. Outra forma é, em vez de impor uma multa, colocar uma obrigação de fazer, que é um caminho que podemos explorar bem melhor. Com esse tipo de instrumento podemos aprimorar a qualidade e o atendimento ao consumidor.
DINHEIRO – Uma das propostas do presidente Bolsonaro é a ampliação do ensino a distância. Para isso é necessária uma rede melhor. Em 2016, o Maranhão tinha apenas 14,4% dos domicílios com banda larga fixa. O Pará, 16% e o Piauí, 18,9%. É possível fazer educação à distância com esses números?
MORAIS – Nós temos vários instrumentos para melhorar a situação. Há no Senado a discussão do PL 109, que é a principal reforma microeconônima desde a desestatização do setor. Ela vai abrir uma janela de recursos muito importante para que possamos expandir a infraestrutura de comunicação de dados de alta velocidade. Outra questão é utilizarmos bem os editais de outorga de radiofrequência. No final de 2017 tínhamos 5565 municípios e foi quando tivemos a licitação das faixas de 1800 megahertz e 2100 megahertz que significaram o ingresso da tecnologia de terceira geração no país. Desse conjunto de municípios, havia 1.876, praticamente 33% do total, que não tinham acesso móvel ao celular. Naquela oportunidade, vinculamos as áreas mais rentáveis com as áreas menos rentáveis e, com isso, em dois anos foi possível cobrir todos os municípios. Os novos editais de radiofrequência vão ser uma oportunidade ímpar de estabelecer obrigações de cobertura e aprimorar a infraestrutura de banda larga. Também é preciso discutir a lei do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). Desde que foi criado em 2000, ele arrecadou 22 bilhões de reais em valores não atualizados. Só que a lei só permite aplicar esses recursos na telefonia fixa e, hoje em dia, isso não é o anseio da população. Não cabe mais falar de inclusão social dissociada de inclusão digital. Você pode ter uma agenda digital muito bonita, mas o âmago de uma estratégia é a conectividade.
DINHEIRO – Alguns executivos citam três grandes desafios para que o 5 G entre com força do Brasil: ampliação do número de antenas, mais faixas de espectro e mais redes de fibra ótica. São mesmos esses os principais desafios?
MORAIS – Esses são mesmo os três grandes pilares. Existem legislações municipais muito restritivas à instalação de antenas. E a entrada é do 5 G no Brasil é na faixa de 3,5 gigahertz, que é mais alta e tem um raio de cobertura menor, por isso precisa de mais antenas. Ainda como conselheiro, a gente fez uma comitiva para conversar com prefeitos e presidentes de câmaras municipais para defender a importância de uma legislação que permita a instalação. Pretendo intensificar esse trabalho agora como presidente. Mas eu entendo que, com o trabalho que estamos desenvolvendo, o Brasil estará na vanguarda da tecnologia de quinta geração. O 5G vai remodelar a sociedade e os meios produtivos. Não se trata apenas de aumento de velocidade. Ele tem outras facetas, como a internet das coisas e IOT massivo. Uma das aplicações é no agronegócio, que representa 23% do PIB. Quando você tem conectividade com IOT, você pode fazer agricultura de precisão. Como 70% dos custos da produção tem a ver com insumos, você aumenta a economia e a produtividade.
DINHEIRO – O trabalho do senhor foi muito elogiado no caso da Oi. Com seu novo cargo, podemos esperar que a Anatel se torne ainda mais enérgica com a operadora?
MORAIS – No caso da relatoria da Oi, o que procuramos foi privilegiar uma solução de mercado. Existia uma proposta de caducidade e eu procurei incentivar outra. A solução de mercado veio com o plano de recuperação judicial, mas não de forma definitiva. Historicamente, eles tinham um subinvestimento em rede. Enquanto a relação Capex-Receita era da ordem de 15%, os pares do mercado tinham 25%, mas a Oi tem uma vantagem comparativa que é capilaridade da sua rede. Porém, capital novo será necessário. Já foi aprovado pela agência um aumento de 4 bilhões. Mais de 2000 municípios do Brasil não contam com outra possibilidade de escoamento de tráfego que não o da Oi. Essa empresa é importante para a integridade do sistema brasileiro de telecomunicações.
Redação
Fonte: Isto É Dinheiro
Outras Notícias Relacionadas
‘WhatsApp não é recomendado para o home office’, diz especialista
30/08/2020 - Entrevistas


Alerta constante pode causar transtornos a profissionais de saúde
28/03/2020 - Entrevistas